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Caminhadas em África

Estou de volta a esta terra e parece que nunca daqui saí. Talvez por não ter passado assim tanto tempo ou talvez por ela nunca me ter deixado.
Há lugares que nos marcam, que nos ficam cravados pelas mais diversas razões. Nem precisam ser grandiosos. Basta termos tido a sorte ou a audacidade de estar no lugar certo à hora certa. Assim é o Botswana, sempre pronto a surpreender. Esta terra, selvagem como nenhuma outra, faz questão de recordar a qualquer momento porque lhe chamam “The Wild Botswana”…
O voo de Maun até ao lodge, localizado numa das ilhas do Delta do Okavango, é breve mas o piloto atendeu ao meu pedido e voou o mais devagar que o Cessna lhe permitia para desfrutar de uma das mais impressionantes paisagens de África.
Este ano, as chuvas que deviam ter caído nas montanhas no sul de Angola, nunca chegaram a acontecer. As águas que deviam ter corrido no Cubango não chegaram a aparecer. As planícies que deviam ter inundado no Okavango continuam por encher.
O que devia ser uma imensa encruzilhada de rios e canais em tons de azul e verde, é um mar dourado de erva seca, onde palmeiras solitárias se erguem que nem totens inquebráveis a fazer questão de lembrar que aquelas terras pertencem a águas distantes e teimosas.
Os animais esses deambulam confusos à espera de água que este ano nunca virá. Concentram-se em charcos, subjugados à tolerância dos impertinentes hipopótamos. Um desses charcos mesmo em frente ao lodge oferece um espectáculo em jeito de documentário galardoado de vida selvagem que se desenrola continuamente à nossa frente. Animais e pássaros incautos de todo o tipo tentam ganhar o seu lugar para beber a unica água lamacenta que encontram, ignorando os crocodilos que apenas descansam ao seu lado por estarem de barriga cheia, os búfalos que competem com os hipopótamos no jogo da impaciência, a águia pesqueira que nem precisa de fazer pontaria, a leoa que desfila com as suas duas crias sob o olhar atento de toda a multidão e, alheios a todo este corropio, os elefantes que inteligentemente decidem não brincar ou banharem-se na pouca água que lhes resta. Tudo isto sob um horizonte de mil cores pinceladas por um sol africano, prestes a desaparecer como que cansado depois de ter passado um dia cansativo a cozer esta terra.
A proximidade do lodge à água, atrai todo o tipo de animais que aqui encontram uma iguaria rara por estas paragens – alguma erva verde. Os mais destemidos, invariavelmente os elefantes, entram pelo lodge adentro e tudo lhes serve de repasto. Tudo à volta, na verdade, parece um cenário de guerra destruído pela voracidade destes gigantes. Apenas restam as árvores que não conseguem derrubar ou que não lhes agrada ao palato. Curiosamente, eles parecem perceber que tudo o que os homens ali colocaram, aos homens pertence. E sabem-no bastante bem. Tudo o resto é por eles reivindicado como que senhores feudais desta terra.
A expressão “que nem elefante numa loja de porcelana” não faz aqui sentido, pois movimentam se por entre as tendas e bungalows que nem gatos por entre bibelôs, com uma destreza e agilidade acrobática.

Tivemos uma manhã super emocionante. Na mesma caminhada pelo mato, vimos um leopardo e um grupo de leões.
O leopardo assim que percebeu que tinha sido avistado e que mudámos a nossa direção para nos aproximarmos, desceu da árvore e embrenhou-se pelo mato. Fez simplesmente o que os leopardos fazem de melhor: desaparecer. Nem mesmo com os guias pisteiros locais bastante experientes lhe foi possível apanhar o rasto. Procurar um leopardo a pé no mato é das experiências mais emocionantes que se pode ter. Não há descarga de adrenalina que se lhe compare, na certeza de que estamos a ser observados e todos os nossos sentidos se despertam como nunca antes. Mas uma vez perdido o rasto de um leopardo, é difícil, senão impossível de voltar a encontrá-lo.
Mudámos a nossa rota e continuámos a nossa caminhada em busca de outros animais. Lidero um grupo de 6 canadianos, 3 casais todos nos seus 60 anos de idade com um espírito jovial invejável que resolveram fazer o seu safari a África que vinham adiando há alguns anos. Passamos por zebras, girafas, kudus, impalas, facocheiros e todo o tipo de animais que posam para nós vaidosamente como que sabendo que apenas disparamos fotografias. Mas não nos deixam aproximar. Cada animal tem a sua distância de segurança e que se vai aprendendo apenas com experiência de muitas caminhadas no mato.
De volta para o lodge, o guia pisteiro vê o que mais ninguém consegue decifrar na erva alta a uns 50 metros de nós: leões. Tentamos aproximar mais um pouco mas em vão. Tal como o leopardo, ensinados na mesma escola da selva, desaparecem. Mas desta vez não os tentamos seguir. É um grupo de cerca de 15 que os guias conhecem bem. Este lugar é aliás conhecido pela grande população de leões e não seria prudente fazê-lo nas condições em que estávamos. Voltamos para o lodge onde nos serviram um almoço de fazer inveja a qualquer restaurante sofisticado de cidade e logo após cada um escolhe o seu sítio predileto para uma sesta. Eu escolhi a cama de rede no deck sobre a água.
Já de volta ao “lobby” do lodge, um alpendre com vista para o delta, um dos guias pisteiros vem ter comigo e pergunta se queremos antecipar a caminhada da tarde… Pergunto: “Porquê? Está bastante calor e o grupo não é propriamente jovem!” Responde: “Uma leoa com 2 crias acabou de atravessar a pista de aterragem, mesmo aqui em frente ao lodge. Se sairmos agora, tavez a consigamos ver.” Peço-lhe um minuto para reunir o grupo e perguntar se estão confortáveis com a decisão de tentar avistar a leoa. A resposta foi mais que previsível: “Awesome! Let’s go!”
Não fomos os únicos. Quase todos os hóspedes do lodge, cerca de 20 pessoas, saem a pé em grupos de 2 a 6 pessoas, liderados cada qual por um guia pisteiro (batedor) em direção ao lugar onde se tinha avistado a leoa. Cada grupo toma um percurso diferente. Nem demorou 5 minutos de caminhada para vermos a forma inconfundível de uma leoa a caminhar calmamente entre a vegetação, a uns 100 metros de nós. Os guias comunicaram entre eles através dos walkie-talkies e de imediato todos os grupos confluem para esse mesmo sítio.
À medida que nos aproximávamos perdemos a leoa de vista. À vista, agora, estavam apenas os grupos todos à distância de 50 a 100 metros entre si, a olhar uns para os outros intrigados sobre onde se meteu a leoa ou quem não a viu passar… mas novamente num ápice volta a revelar-se mas desta vez em passo acelerado claramente a tentar evitar as pessoas que vindas de vários lados se tentavam aproximar para tentar a derradeira foto. Perdemo-la de vista novamente por entre a erva alta desta vez a menos de 50 metros, quando se dirigia para uma linha de árvores. Seguimos nessa direção, em fila indiana como mandam as regras de caminhada no mato, com todos os sentido em alerta, fitando a linha de árvores, onde supostamente a leoa se teria escondido. Pé ante pé por erva densa que nos chegava pelo peito e que pouco ou nada descortinava o caminho que trilhávamos, olhando fixamente para a linha de árvores que se estendia à nossa frente, subitamente num ruído estrondoso, salta a leoa aos nossos pés!
Literalmente aos nossos pés, à distância de um passo! Inacreditável como nos deixou aproximar assim tanto e inacreditável como tão bem camuflada na erva alta ninguém a conseguiu ver. O som do rugido é difícil de descrever… estremece-nos o corpo de tão alto e tão próximo. Num rugido se levantou e noutro se sumiu, deixando apenas um grupo petrificado sem fotos para mostrar mas com uma bela história para contar.
Mais emocionante que isto só mesmo a do leopardo no camp de Savuti. Mas essa história guardo para vos contar quando aí chegar.
… e assim se passam os dias no Botswana.

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